Por que é tão difícil para robôs fabricarem seus tênis Nike? O desafio da automação na indústria do calçado

A automação na fabricação de tênis é vista como o futuro da indústria, mas, apesar de avanços em robótica e inteligência artificial, marcas como a Nike enfrentam enormes barreiras técnicas e econômicas para substituir trabalhadores humanos por máquinas. Entenda por que os tênis continuam sendo, em grande parte, feitos à mão — e o que isso revela sobre o futuro da indústria global.

4/22/20255 min ler

Introdução: O sonho da automação na indústria do calçado

A promessa de fábricas automatizadas, onde robôs produzem tênis com precisão e rapidez, fascina líderes industriais há décadas. Para empresas como a Nike, que dependem de mão de obra intensiva em países asiáticos, a automação representa a chance de reduzir custos, trazer parte da produção para mais perto dos mercados consumidores e responder a pressões políticas por empregos locais.

No entanto, a realidade tem se mostrado muito mais complexa. Mesmo com investimentos milionários em tecnologia, a Nike e outras gigantes do setor descobriram que fabricar tênis é um desafio para robôs — muito mais do que montar eletrônicos ou carros. Este artigo explora as razões técnicas, econômicas e criativas que tornam a automação da produção de calçados uma tarefa monumental.

O contexto: Por que a Nike quis automatizar a produção?

A partir de 2015, diante do aumento dos custos trabalhistas na Ásia e do avanço de tecnologias como impressão 3D, a Nike iniciou um projeto ambicioso para automatizar parte de sua produção. O objetivo era claro: produzir dezenas de milhões de pares de tênis em uma nova fábrica de alta tecnologia em Guadalajara, no México, com muito menos trabalhadores do que seria necessário em fábricas asiáticas tradicionais.

A Nike se uniu à Flex, fabricante americana que já havia ajudado a Apple a montar fábricas complexas nos EUA. A ideia era criar linhas de produção que usassem robôs e máquinas avançadas, como as de montagem de placas eletrônicas, para montar as partes superiores dos tênis, costurar tecidos, aplicar logos e colar solas.

Se desse certo, o modelo poderia ser replicado nos EUA, permitindo à Nike e outras marcas reduzirem a dependência de fornecedores asiáticos e responderem a pressões políticas, como as tarifas impostas pelo governo americano a produtos vindos da China, Vietnã e Indonésia.

O desafio técnico: Por que tênis são tão difíceis para robôs?

Ao contrário de eletrônicos, que usam peças rígidas e padronizadas, o calçado esportivo é feito de materiais flexíveis, elásticos e sensíveis à temperatura. Cada sola, cada tecido, cada camada pode variar minimamente de tamanho, formato e textura, mesmo dentro do mesmo modelo. Isso exige uma capacidade de adaptação e ajuste fino que, até hoje, só os trabalhadores humanos conseguem oferecer.

Principais dificuldades enfrentadas:

  • Materiais maleáveis: Tecidos e espumas expandem e contraem com mudanças de temperatura e umidade, tornando difícil para robôs programados para movimentos precisos repetitivos.

  • Variedade de modelos: A Nike lança centenas de modelos e variações por ano. Cada novo design pode exigir ajustes radicais nas máquinas, tornando a automação menos viável do que em indústrias com produtos padronizados, como a de eletrônicos.

  • Montagem delicada: Tarefas como colar a sola no cabedal (parte superior do tênis) exigem precisão manual. Pequenos erros resultam em tênis tortos, desalinhados ou reprovados no controle de qualidade.

  • Adaptação a mudanças: Robôs demoraram até oito meses para aprender a aplicar o logo da Nike em um modelo específico — e, quando finalmente dominaram a tarefa, a Nike já havia mudado o design, tornando o processo obsoleto.

Como explicou Michael Newton, ex-executivo da Nike responsável pelo projeto:

“Você precisa fazer sacrifícios, desde o design até a complexidade dos materiais e modelos. Isso vai contra o que o consumidor deseja. Eles querem uma diversidade incrível de produtos.”

O resultado: Mais humanos, custos maiores

Apesar do investimento milionário e do uso de robôs de última geração, a fábrica no México acabou empregando cerca de 5.000 pessoas — o dobro do previsto e mais caro do que operar uma fábrica semelhante no Vietnã. A automação total nunca foi atingida. Tarefas que pareciam simples para máquinas, como colar solas ou costurar tecidos elásticos, continuaram exigindo intervenção humana.

O projeto, que deveria ser um modelo para a produção nos EUA, acabou encerrado discretamente em 2019. A Flex e a Nike encerraram a parceria, e outras marcas que tentaram iniciativas semelhantes, como Adidas e Under Armour, também desistiram ou transferiram a tecnologia de volta para fornecedores asiáticos.

O papel da criatividade e do design

Um dos grandes obstáculos à automação é a própria filosofia de inovação da Nike e de outras marcas esportivas. Ao contrário de indústrias que padronizam seus produtos para facilitar a produção em massa, o setor de calçados esportivos valoriza a criatividade, a customização e a rápida resposta às tendências de moda e performance.

Para os engenheiros, seria mais fácil automatizar a produção de modelos simples, com cabedais de tricô e solados moldados padronizados. Mas o mercado exige lançamentos frequentes, colaborações exclusivas e detalhes que desafiam a padronização. O resultado é um conflito entre o desejo de inovação e a necessidade de processos industriais repetitivos.

A tecnologia dos robôs: O que já avançou?

Apesar dos desafios, houve avanços. Robôs desenvolvidos pela Grabit, uma empresa californiana de robótica, usam a “eletroadesão” (aderência por eletricidade estática) para manipular tecidos e montar camadas do cabedal dos tênis. Com eles, o tempo de montagem de uma parte superior caiu de horas para minutos, tornando o processo 16 a 24 vezes mais rápido do que o manual.

Esses robôs, porém, ainda dependem de supervisão humana e são caros — cada unidade custava, em 2017, mais de US$ 100 mil, embora o preço deva cair com o tempo. Se a tecnologia amadurecer e se tornar economicamente viável, pode transformar a indústria, reduzindo custos e permitindo a produção em mercados consumidores, mas ainda há um longo caminho até a automação total.

O futuro: Automação, empregos e o papel da Ásia

A experiência da Nike mostra que, por enquanto, a automação total da fabricação de tênis é inviável para a maior parte dos modelos. A indústria de calçados continua dependente de exércitos de trabalhadores em países de baixo custo, como Vietnã, Indonésia e China, onde a flexibilidade e a habilidade manual são insubstituíveis.

Além disso, a automação pode ter impactos sociais profundos, eliminando empregos em países emergentes e mudando a geografia da produção global. Por outro lado, pode abrir espaço para fábricas mais próximas dos mercados consumidores, com ciclos de produção mais rápidos e menor impacto ambiental.

Conclusão: O tênis ainda é, em grande parte, feito à mão

Apesar dos avanços em robótica e IA, o tênis que você calça hoje provavelmente foi costurado, colado e montado por mãos humanas. O sonho de fábricas totalmente automatizadas esbarra na complexidade dos materiais, na criatividade dos designers e nas exigências dos consumidores por novidades constantes.

A história da Nike e de suas concorrentes mostra que, ao menos por enquanto, a flexibilidade humana continua sendo o maior diferencial da indústria do calçado. O futuro pode reservar surpresas, mas, por ora, a automação total ainda é um objetivo distante.

Referências e leituras recomendadas:

Crédito ao autor original: Jon Emont, Wall Street Journal.